O Xerife Penas, como a esmagadora maioria dos portugueses, dos mais variados setores da sociedade, sente-se revoltado e indignado pela forma como os destinos do nosso país estão a ser conduzidos, sob pretexto de uma suposta necessária austeridade. É verdadeiramente escandaloso esbanjar as potencialidades de progresso económico e social de um povo que, pela sua nobreza, sempre soube vencer, ao longo dos séculos, todas as adversidades!
E, à revolta e indignação do Xerife Penas e da esmagadora maioria dos portugueses, também se ouve agora a voz bem clara e firme do grande Ruy de Carvalho, que, em carta aberta refere:
" Tenho 85 anos, e modéstia à parte, sempre honrei o meu país pela forma como representei em todos os palcos, portugueses e estrangeiros, sem pedir nada em troca senão respeito, consideração e abertura - sobretudo os novos talentos -, e seriedade na forma como o Estado encara o meu papel como cidadão e como artista. Vivi a guerra de 36/40 com o mesmo cinto com que todos os portugueses apertaram as ilhargas. Sofri a mordaça de um regime que durante 48 anos reprimiu tudo o que era cultura e liberdade de um povo para o qual sempre tive o maior orgulho em trabalhar. Sofri como todos os condicionamentos de descolonização. Vivi o 25 de Abril como uma esperança renovada, e alegrei-me com a conquista do voto, como se isso fosse um epitome libertador.
Subi aos palcos centenas, senão milhares de vezes, da forma que melhor sei, porque para tal muito trabalhei.
Continuei a votar, a despeito das mentiras que os políticos utilizaram para me afastar do Teatro Nacional. Contudo, voltei a esse teatro pelo respeito que o meu público me merece, muito embora já coxo pelo desencanto das políticas culturais de todos os partidos, sem excepção, porque todos vós sois cúmplices da acrescida miséria com que se tem pintado o panorama cultural português.
Hoje, para o Fisco, deixei de ser Actor…e comigo, todos os meus colegas Actores e restantes Artistas destes país - colegas que muito prezo e gostava de poder defender.
Tudo isto ao fim de setenta anos de carreira! É fascinante.
Francamente, não sei para que servem as comendas, as medalhas e as Ordens, que de vez em quando me penduram ao peito?
Tenho 86 anos, volto a dizer, para que ninguém esqueça o meu direito a não ser incomodado pela raiva miudinha de um Ministério das Finanças, que insiste em afirmar, perante o silêncio do Primeiro-Ministro e os olhos baixos do Presidente da República, de que eu não sou actor, que não tenho direito aos benefícios fiscais, que estão consagrados na lei, e que o meu trabalho não pode ser considerado como propriedade intelectual.
Tenho pena de ter chegado a esta idade para assistir angustiado à rapina com que o fisco está a executar o músculo da cultura portuguesa. Estamos a reduzir tudo a zero... a zeros, dando cobertura a uma gigantesca transferência dos rendimentos de quem nada tem para os que têm cada vez mais.
É lamentável e vergonhoso que não haja um único político com honestidade suficiente para se demarcar desta estúpida cumplicidade entre a incompetência e a maldade de quem foi eleito com toda a boa vontade, para conscientemente delapidar a esperança e o arbítrio de quem, afinal de contas, já nem nas anedotas é o verdadeiro dono de Portugal: nós todos!
É infame que o Direito e a Jurisprudência Comunitárias sirvam só para sustentar pontualmente as mentiras e os joguinhos de poder dos responsáveis governamentais, cujo curriculum, até hoje, tem manifestamente dado pouca relevância ao contexto da evolução sociocultural do nosso povo. A cegueira dos senhores do poder afasta-me do voto, da confiança política, e mais grave ainda, da vontade de conviver com quem não me respeita e tem de mim a imagem de mais um velho, de alguém que se pode abusiva e irresponsavelmente tirar direitos e aumentar deveres.
É lamentável que o senhor Ministro das Finanças, não saiba o que são Direitos Conexos, e não queiram entender que um actor é sempre autor das suas interpretações – com diretos conexos, e que um intérprete e/ou executante não rege a vida dos outros por normas de Exel ou por ordens “superiores”, nem se esconde atrás de discursos catitas ou tiradas eleitoralistas para justificar o injustificável, institucionalizando o roubo, a falta de respeito como prática dos governos, de todos os governos, que, ao invés de procurarem a cumplicidade dos cidadãos, se servem da frieza tributária para fragilizar as esperanças e a honestidade de quem trabalha, de quem verdadeiramente trabalha.
Acima de tudo, Senhores Ministros, o que mais me agride, nem é o facto dos senhores prometerem resolver a coisa, e nada fazer, porque isso já é característica dos governos: o anunciar medidas e depois voltar atrás. Também não é o facto de pôr em dúvida a minha honestidade intelectual, embora isso me magoe de sobremaneira. É sobretudo o nojo pela forma como os seus serviços se dirigem aos contribuintes, tratando-nos como criminosos, ou potenciais delinquentes, sem olharem para trás, com uma arrogância autista que os leva a não verem que há um tempo para tudo, particularmente para serem educados com quem gera riqueza neste país, e naquilo que mais me toca em especial, que já é tempo de serem respeitadores da importância dos artistas, e que devem sê-lo sem medos e invejas desta nossa capacidade de combinar verdade cénica com artifício, que é no fundo esse nosso dom de criar, de ser co-autores, na forma, dos textos que representamos.
Permitam-me do alto dos meus 86 anos deixar-lhes um conselho: aproveitem e aprendam rapidamente, porque não tem muito tempo já. Aprendam que quando um povo se sacrifica pelo seu país, essa gente, é digna do maior respeito... porque quem não consegue respeitar, jamais será merecedor de respeito"!
Ruy de Carvalho
Mas, Ruy de Carvalho afirma ainda: "Caros amigos, cada um lida com a sua honestidade, no tempo que lhe é próprio. Sou e serei um Social Democrata, porque acredito nesse tipo de formatação política.
Ergo agora a minha voz, como já o fiz tantas vezes antes, noutras coisas, e também na minha profissão, por ver que aqueles em quem acreditei fogem aos princípios que juraram defender.
Foram eles que juraram e não eu.
São eles que enganam. E por me sentir enganado, não precisei de recorrer a grupos, quer políticos, quer profissionais para abrir uma frente de protesto. Todos os que me conhecem sabem que estou sempre na primeira linha das lutas contra a mentira e as injustiças. Lá muito no fundo ainda acredito que o arrependimento pode salvar os "pecadores".
A minha honestidade cultural obriga-me a saber separar o trigo do joio. Ser Social Democrata é tão importante como ser Socialista, Comunista, Centrista ou Bloquista. Em todos os partidos há boas e más pessoas. Tenho pena que todos nós, todo o Povo Português, tenhamos tido pouca sorte nas escolhas que fez. Quanto ao meu protesto, mantenho o que disse: A lei está do lado dos artistas...."
Mais palavras para quê...?!
Xerife Penas falou, está falado!